segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sinais Digitais na Aldeia


Caminho por uma rua estreita e fedorenta, pois a meus pés, corre uma água escura que vem dos esgotos.
Ao mesmo tempo, uma enorme Caterpillar amarela me dificulta a passagem. Não há calçada, o espaço é limitado. O cheiro da sarjeta se mistura com o da máquina e a lama começa a grudar nos meus pés. Me encosto num muro pichado, fico rente a ele, assistindo o monstro de ferro passar.

As pessoas estão debruçadas nos muros, nas cercas, debruçadas em si mesmas e olham, admiradas, aquela geringonça arrebentando tudo pela frente. Arranca pedras, tampas de bueiros improvisados, pequenas árvores que indiferentes a tudo, gostariam de viver ali.

Olho os rostos das pessoas, dos jovens em especial. Alguns garotos de 14 ou 16 anos estão sentados no chão, uns fumando, outros com fones de ouvido, outros me avisando que vai chover e que a coisa vai piorar. Noutro canto, dentro de um pátio, um rapazote observa a movimentação. Sua roupa parece melhor dos que estão na rua. Tem um olhar triste, talvez por morar ali. Me mostra a barreira de terra que seu pai fez na frente do portão, para evitar que as águas das chuvas e esgoto, entrem na sua casa.

Não vejo quase meninas nem moças, apenas crianças que se divertem vendo o “progresso” chegar ``a sua rua. Parecem felizes, sorriem para mim mesmo pisando descalços na lama, nas águas do esgoto que corre mais forte agora. Numa casinha muito simples, escuto uma garota pedindo dinheiro para sua mãe para pagar o xerox. Precisa muito de algumas moedas pois está devendo na lan house onde imprimiu seu trabalho.

Ninguém nota, mas fico escutando todas as conversas, todas as fofocas, todas as denúncias de mulheres barrigudas que passam falando alto. Uma diz que vai cobrar pensão do marido que saiu de casa; outra diz que vão bater no filho acusado por outra vizinha de ter estuprado uma colega na escola.

Não queria estar ali, não é meu mundo. Ou este é mesmo meu mundo? Sento num degrau para esperar a máquina retornar de ré, é perigoso ficar no rastro dela. Vejo que muitas casas possuem pequenas antenas parabólicas de tv por assinatura; vejo aparelhos de ultimo tipo nas mãos de quem não pode comprar um pedaço de pão.

Noto que estou sendo observado. Fazendo de conta que estou olhando a numeração das casas, observo uma garota de rosa, dentro de uma casa de madeira. Uma casa muito ruim, de madeiras velhas, sem pintura. Ela tem o olhar triste, talvez esteja com fome; talvez com vergonha de morar num lugar assim; talvez não tenha um perfume, mesmo que fuleiro para colocar após o banho frio. Pior, talvez não tenha sequer um “modess” para usar!

Raios! Mas porque estou pensando nestas coisas? Meu trabalho é apenas comparar se os números das casas batem com a relação apresentada pelo meu PDA(*), simples assim. Apenas comparar o mundo real com o mundo virtual, sem sentir nada pelas pessoas, sem me envolver com o meio ambiente. Para a empresa para a qual trabalho, as pessoas são apenas números e eu sou apenas uma interface sem alma.

Sempre saberemos quantas pessoas existem, quantas são negras ou brancas. Sempre saberemos com exatidão quantas ganham mais de um salário minimo e quantas possuem acesso a celular. Mas jamais iremos saber ao certo quantas estão realmente felizes, porque isso não se mede em números e instrumentos mas sim, em profunda interação.



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